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Orçamento secreto de R$ 401 milhões da Defesa na era Braga Netto bancou até capela funerária

 


Os recursos foram liberados em outubro de 2021 por meio do orçamento secreto, dispositivo de emendas parlamentares utilizado para contemplar aliados do governo em troca de apoio no Congresso.

O projeto só saiu do papel graças a um repasse de R$ 400 mil feito pelo Ministério da Defesa, então chefiado pelo general da reserva Walter Braga Netto (Foto: Reprodução)

BRASÍLIA — Em um lote de terra de 129 metros quadrados cravado em São Félix do Araguaia, no interior do Mato Grosso, a prefeita Janailza Taveira Leite (Solidariedade) acompanha cada passo da construção do velório público do município com quase 12 mil habitantes. A obra tem sido celebrada como a “primeira capela mortuária da cidade”, uma “forma de dar conforto aos moradores num momento de tanta dor”, destaca Janailza. O projeto só saiu do papel graças a um repasse de R$ 400 mil feito pelo Ministério da Defesa, então chefiado pelo general da reserva Walter Braga Netto, cotado para vice na chapa de Jair Bolsonaro nas eleições deste ano.

Os recursos foram liberados em outubro de 2021 por meio do orçamento secreto, dispositivo de emendas parlamentares utilizado para contemplar aliados do governo em troca de apoio no Congresso. O que não se sabia até hoje é que a pasta militar também utilizou esse mecanismo político sem transparência e critério. A informação só veio à tona recentemente graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigou a divulgação desses dados.a agradecer à boa gestão do Braga Netto e ao senador Wellington (Fagundes, do PL do Mato Grosso), por essas obras. O senador é nosso campeão de votos aqui e vai ser de novo nessa eleição, se Deus quiser. Ele é nosso predileto — afirma Janailza, que também recebeu R$ 2 milhões da Defesa para asfaltar ruas da cidade. O parlamentar mato-grossense, que busca a reeleição ao Senado, integra o mesmo partido de Bolsonaro e é aliado fiel do governo.

As obras que a prefeita de São Félix do Araguaia atribui a Braga Netto e a Wellington Fagundes fazem parte de um pacote de R$ 588 milhões do orçamento secreto administrado pelo Ministério da Defesa. Desse valor, R$ 401 milhões atenderam a 11 senadores, sendo a maioria deles governista. Coube a esse seleto grupo de parlamentares próximos a Bolsonaro decidir como e onde esse dinheiro público seria aplicado, em geral em seus redutos eleitorais, sem necessariamente ter relação com a atividade da pasta militar.

A maior parte desses recursos foi desembolsada pelo Ministério da Defesa em 2021, sob a gestão de Braga Netto. O dinheiro foi repassado a municípios por meio do programa Calha Norte, criado na década de 1980 diante de uma preocupação dos militares com a Amazônia. O objetivo dessa ação é investir em projetos de infraestrutura básica, aquisição de equipamentos e compra de bens para quartéis na região, principalmente em áreas distantes dos grandes centros urbanos. Segundo levantamento do GLOBO, uma parte das emendas de relator destinadas pela pasta serviu a outro propósito — construir praças, passarelas de concreto e até para bancar obras de edifícios que vão abrigar as câmaras de vereadores em duas cidades do interior do Amapá (Tartarugalzinho e Cutias) e uma no Amazonas (Careiro), ao custo de R$ 1,5 milhão cada. Irrigado pelo orçamento secreto, o caixa do Calha Norte dobrou de tamanho em 2021 — e passou a atender redutos eleitorais de aliados do governo.

Por meio de nota, o Ministério da Defesa informou que o programa Calha Norte não leva em consideração a forma com os parlamentares indicam recursos, se as emendas que chegam são impositivas ou de relatoria, “mas, sim, se estão em conformidade com as diretrizes técnicas”. A pasta também ressalta que o programa “abrange 619 municípios em 10 estados. Assim, qualquer parlamentar dessas localidades têm a prerrogativa de propor emendas que serão analisadas mediante critério técnico”. O órgão ainda afirma que “o ministro não interfere na destinação de recursos do Programa Calha Norte”. O ministério, porém, não explicou por que apenas 11 senadores tiveram a prerrogativa de enviar recursos via emendas de relator.

Os beneficiados
O maior contemplado com os repasses da pasta foi o senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), relator do Orçamento de 2021 e responsável por indicar R$ 203,7 milhões a prefeituras de seu interesse. Entre os escolhidos por Bittar está o prefeito de Acrelândia, Olavo Francelino de Rezende (MDB), que recebeu em 27 de outubro de 2021 R$ 5 milhões para aplicar em trilhas ecológicas da cidade.

— A gente pediu que ele (Bittar) disponibilizasse o dinheiro, e ele mandou. Tem sido um parceiro. Na época (da visita), ele disse que era o relator dos recursos, que ia fazer algo importante para a gente, e o ministério aceitou — conta Rezende.

Bittar também destinou, por meio da Defesa, R$ 28,4 milhões a outro aliado político, o prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom (PP), para ser aplicado na construção de uma praça, um mercado municipal e uma Casa de Apoio e Acolhimento. O dinheiro foi todo empenhado, por meio de cinco parcelas, em outubro do ano passado.

O senador e candidato à reeleição Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) é outro a colher dividendos políticos com a verba repassada pela Defesa. O ex-presidente do Senado destinou R$ 79,3 milhões a municípios do seu estado por meio do orçamento secreto da pasta militar. No dia 6 de agosto do ano passado, o parlamentar se reuniu com Braga Netto no ministério. Três dias depois desse encontro, a pasta começou a liberar parcelas que somam R$ 47,5 milhões para redutos eleitorais do congressista. Um dos contemplados foi o município de Cutias, para onde o senador destinou, no dia 29 de setembro de 2021, R$ 1,5 milhão para a revitalização do prédio da Câmara Municipal da cidade.

Procurados, Bittar e Alcolumbre não responderam aos questionamentos feitos pela reportagem. O senador Wellington Fagundes defende os critérios do Ministério da Defesa para aplicar os recursos do orçamento secreto. Ele diz que considera “pouco” os R$ 20 milhões que teve para destinar a cidades de sua livre escolha.

— É um programa dirigido por militares. E eles são extremamente rígidos. Tem que cumprir a exigência da lei. Mato Grosso é um estado em desenvolvimento e é o que mais contribui com as exportações do Brasil. E nós temos necessidades. Temos 720 quilômetros de fronteira seca. E (o valor) ainda é pouco — afirma o parlamentar.

Líder do governo no Senado, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) também foi contemplado com R$ 20 milhões da Defesa e indicou esses recursos a 40 prefeitos. Um dos municípios agraciados foi Arraias. Em 17 de julho de 2021, por solicitação do parlamentar, a cidade recebeu R$ 702 mil para a compra de um ônibus e um caminhão basculante.

— Temos só a agradecer o senador e o Calha Norte, que está alcançando a ponta. O ônibus está atendendo as senhoras da melhor idade, em um projeto de recreação. O caminhão nós já compramos e só estamos esperando chegar — afirma o prefeito Herman Gomes de Almeida.

O Tocantins, estado de Gomes, só foi incluído no Calha Norte em uma articulação do senador. O decreto que expandiu o programa para cidades do estado foi publicado por Bolsonaro no fim do ano passado.

Questionado sobre ter sido o único parlamentar do Tocantins contemplado com as emendas de relator do Ministério da Defesa, o líder do governo justifica:

— É evidente, se (fui) eu que levei o programa para lá. No primeiro ano de programa, outro parlamentar não teve interesse. E sequer acreditava que ia funcionar.

Especialistas criticam
Especialistas ouvidos pelo GLOBO criticaram o uso da Defesa para a realização de obras por critérios políticos, em cidades escolhidas por um grupo de senadores. O historiador e membro da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho, estudioso da ascensão militar na política brasileira, classificou como “grave” o uso do dinheiro da pasta com finalidade política.

— Trata-se de um flagrante desvio de funções do Ministério da Defesa e, como tal, coloca em posição delicada o general Braga Netto — afirmou Carvalho.

Jurista e doutor em Direito do Estado, Marçal Justen Filho afirma que os recursos destinados pela pasta militar deveriam atender às “necessidades do setor”.

— A destinação de recursos para o Ministério da Defesa visa a atender necessidades desse setor. Alocar recursos para a Defesa e transferir posteriormente essas verbas para outros fins, não relacionados com a questão da Defesa, configura uma desnaturação do modelo constitucional — pondera o jurista. — Os recursos públicos não podem ser instrumento para qualquer agente público obter vantagens no processo eleitoral.

Da Redação

Com  O Globo

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