A ação – ajuizada em 25 de setembro deste ano – se baseou em robustos elementos e provas reunidos nos autos do Inquérito Civil. A atuação do MPT, embora centralizada na cidade de João Pessoa, na Paraíba, está sendo conduzida por um Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) de âmbito nacional, instituído pela Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT) e composto por procuradores e procuradoras de diferentes regiões do País. O caso tramita em segredo de justiça por envolver situações de violência contra crianças e adolescentes e também para evitar a revitimização.
Ilícitos constatados
Com base em robustos elementos de prova reunidos nos autos do Inquérito Civil n.º 002369.2024.13.000/3, o GEAF do MPT concluiu que “Hytalo Santos” e seu esposo, Israel Nata Vicente, conhecido como “Euro”, comandaram, ao longo de anos, com o concurso de vários outros agentes (pessoas físicas e jurídicas), um lucrativo esquema de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo, com dezenas de vítimas, incluindo crianças e adolescentes.
O MPT trata exclusivamente das repercussões trabalhistas do caso (aspectos não criminais), considerando que, nos termos da Convenção n.º 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Decreto n.º 6.481/2008, exploração sexual e trabalho em condições análogas à de escravo estão catalogados como duas das piores formas de trabalho infantil.
Tráfico de pessoas
Aproveitando-se da situação de vulnerabilidade socioeconômica de famílias carentes, “Hytalo Santos” e “Euro” aliciaram crianças e adolescentes provenientes da cidade de Cajazeiras-PB (as chamadas “crias do HS”) e os abrigaram na residência do casal em João Pessoa, numa espécie de “arranjo familiar” ilícito, que não encontra respaldo na legislação nacional.
“Compraram”, mediante a promessa de fama instantânea, a oferta de custeio de despesas básicas de manutenção (moradia, alimentação e educação), o pagamento de ajuda financeira fixa mensal e a ocasional doação de presentes, o consentimento dos pais das vítimas, pessoas de baixa instrução, ludibriadas pela perspectiva ilusória de que seus filhos desfrutariam de segurança financeira e um padrão de vida mais confortável ao lado dos réus.
Exploração sexual
A investigação realizada pelo MPT desvelou o cometimento de múltiplas formas de exploração sexual, tanto em ambiente digital quanto no mundo real (offline). Como é público e notório, “Hytalo Santos” e “Euro” obtinham diversas formas de monetização por meio da exploração da imagem e o corpo das crianças e adolescentes por eles aliciados.
Diariamente, as “crias” eram exibidas, em fotos e vídeos postados nas redes sociais, seminuas, com trajes sumários e provocativos, protagonizando danças sensualizantes e vexatórias, ao som de letras com alusão explícita a práticas sexuais e depreciativas à figura da mulher.
Paralelamente a isso, as “crias” acompanhavam o casal de exploradores em festas e viagens, frequentando ambientes moralmente tóxicos, incluindo redutos do crime organizado, nos quais eram ostentadas como “troféus” e “oferecidas como prêmio” em contextos de tráfico de influência, troca de favores, parcerias comerciais e relações de compadrio.
Para o atingimento desses objetivos, “Hytalo Santos” e “Euro” submeteram adolescentes a um calculado processo de transformação corporal, destinado à potencialização de seu apelo sexual, por meio de sucessivos procedimentos estéticos.
Trabalho em condições análogas às de escravo
As testemunhas ouvidas na esfera extrajudicial – incluindo ex-assessores particulares e policiais militares encarregados da segurança do casal de influenciadores – descortinaram os bastidores da casa em que viviam os integrantes da “Turma do HS”, relatando que as “crias” eram submetidas, de forma cumulativa, às seguintes contingências:
– Isolamento do convívio familiar;
– Confisco de meios de comunicação com o mundo externo;
– Ausência de convívio social mais amplo;
– Cerceamento da liberdade de ir e vir;
– Rígido controle sobre sua rotina;
– Agenda exaustiva de gravações, inclusive com privação de sono;
– Ausência de remuneração;
– Supressão da autonomia individual;
– Ausência de autonomia financeira;
– Coação psicológica (ameaça permanente de descarte); e
– Ingerências sobre a definição de sua identidade de gênero e sua orientação sexual.
Visualizados em seu conjunto, tais elementos apontam para a existência de um quadro de cárcere privado e trabalho em condições análogas à de escravo (segundo a perspectiva contemporânea de escravidão definida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde).
Judicialização do caso
Respaldado em normas internacionais de direitos humanos e visando prevenir futura responsabilização do Estado brasileiro no cenário internacional, o MPT submeteu o caso à Justiça do Trabalho, postulando, em síntese:
(a) a definitiva cessação e a não repetição das gravíssimas lesões a direitos humanos denunciadas;
(b) o pagamento de indenização por dano moral coletivo, no montante de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);
(c) a reparação dos danos individualmente causados às crianças e adolescentes vítimas de exploração, mediante o pagamento de indenizações individuais que variam de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); e
(d) concessão de medidas adequadas de proteção e assistência às vítimas, incluindo o fornecimento de acompanhamento médico, psicológico e social.
No caso das vítimas que ainda não atingiram a maioridade, postulou-se que o montante da indenização individual seja depositado em caderneta de poupança especialmente aberta para esse fim, autorizando-se a movimentação dos valores apenas depois que o beneficiário completar 18 (dezoito) anos, ressalvada a possibilidade de levantamento antecipado, mediante autorização judicial, para atendimento de necessidades inadiáveis relacionadas à subsistência e à educação do adolescente.
Responsabilidade dos genitores das vítimas
O MPT enxerga responsabilidade dos pais e mães dos adolescentes explorados, na medida em que:
– mediante recebimento de vantagens materiais (presentes e ajuda financeira mensal), entregaram seus filhos a terceiros, de forma manifestamente ilegal;
– submeteram-se, passivamente, ao regime de isolamento familiar imposto por “Hytalo Santos” e “Euro”, alijando-se da missão de educar seus filhos;
– demitiram-se do encargo de supervisionar a vida escolar e a saúde dos filhos;
– com sua postura negligente, permitiram que seus filhos fossem submetidos a múltiplas formas de violência, incluindo exploração sexual e trabalho em condições análogas à de escravo.
Esse cenário sujeita os genitores a responsabilização nas esferas cível e criminal. No que concerne à esfera trabalhista, considerando a situação de notória precariedade financeira das famílias, o MPT optou por não imputar aos genitores responsabilidade de caráter patrimonial/pecuniário, para não dificultar a subsistência das próprias vítimas, que não contam mais com o patrocínio financeiro anteriormente oferecido por “Hytalo Santos” e “Euro”.
Obrigações de caráter não pecuniário impostas aos genitores das vítimas
Os genitores das vítimas demonstram não compreender a gravidade das múltiplas violências a que seus filhos foram submetidos. Esse estado de alienação causa o receio de que eles, enquanto não compelidos por uma proibição judicial, seguiriam coonestando com a submissão dos adolescentes a práticas de exploração – por “Hytalo Santos” e “Euro” ou por quaisquer outras pessoas. Para impedir que isso aconteça, postulou-se que fossem impostas aos genitores, sob pena de multa, as seguintes obrigações:
(a) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, participem de produção de conteúdo digital com conotação sexual;
(b) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, sejam submetidos a exploração sexual de qualquer natureza; e
(c) não permitir a submissão de seus filhos a quaisquer das piores formas de trabalho infantil, tal como definidas no Decreto n.º 6.481/2008.
Irrelevância do “consentimento” das vítimas e de seus genitores
A maneira como os adolescentes explorados posicionaram-se publicamente sobre as acusações formuladas contra “Hytalo Santos” e “Euro” revelam que eles não enxergam a gravidade da situação a que foram submetidos e são incapazes de se reconhecerem na posição de vítimas.
Tal postura, que poderia despertar alguma perplexidade, é relativamente comum entre vítimas de exploração sexual e de trabalho em condições análogas à de escravo, como em outras situações de abuso ou opressão, como sequestros e casos de violência doméstica, sendo explicada pela psicologia a partir de um fenômeno psíquico que se convencionou chamar de Síndrome de Estocolmo.
Algumas das vítimas de “Hytalo Santos” e “Euro” começaram a conviver com eles quando tinham menos de 10 anos de idade.
É possível também que as vítimas, num mecanismo inconsciente, recusem-se a admitir qualquer traço de perversidade no comportamento de “Hytalo Santos” e “Euro” por enxergá-los como única alternativa para manutenção do acesso à vida enganosamente glamorosa que experimentaram durante os anos de cativeiro.
Seja qual for o fenômeno psicológico a obstaculizar a perfeita compreensão da realidade por parte desses adolescentes, há de se reconhecer que, do ponto de vista estritamente jurídico, em se tratando de exploração sexual, trabalho em condições análogas à de escravo e tráfico de pessoas, mostra-se irrelevante o suposto consentimento das vítimas.
Outras medidas de amparo às vítimas
A pedido do MPT, a Justiça do Trabalho expediu ofícios às Defensorias Públicas do Estado da Paraíba e da União e às unidades da Rede de Assistência Social (Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS) e da Rede de Atenção Psicossocial (Centro de Atenção Psicossocial – CAPS e Centro de Atenção Psicossocial Infantil-Juvenil/CAPSi) mais próximas das residências das vítimas, para imediato fornecimento de assistência psicológica, médica e social.
Cronologia do caso –
– HITALO JOSE SANTOS SILVA
– ISRAEL NATA VICENTE
– ALLEFF DO NASCIMENTO MACIEL
– HITALO JOSE SANTOS SILVA – ME
– HYTALO SANTOS YOUTUBER LTDA
– EURO INFLUENCER LTDA
– HYTALO SANTOS PARTICIPAÇÕES LTDA
– EURO HOLDING LTDA
– FM AGENCIAMENTO PUBLICITÁRIO & INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA (FARTURA PREMIAÇÕES)
*Objetivo da medida: garantir o futuro pagamento de indenização por danos morais coletivos e reparações individuais.
– 19/08/2025 – acolhendo pedido do MPT, a Justiça do Trabalho defere liminar determinando o bloqueio de bens, direitos e ativos financeiros dos réus até o limite de R$ 20 milhões.
– 19/08 a 24/09/2025 – a Justiça do Trabalho realiza várias diligências para implementação da ordem de indisponibilidade patrimonial, incluindo bloqueio de valores e busca e apreensão de veículos de luxo.
– 25/09/2025 – o MPT ajuíza ação civil pública em face das seguintes pessoas físicas e jurídicas:
– HITALO JOSE SANTOS SILVA
– ISRAEL NATA VICENTE
– ALLEFF DO NASCIMENTO MACIEL
– HITALO JOSE SANTOS SILVA – ME
– HYTALO SANTOS YOUTUBER LTDA
– EURO INFLUENCER LTDA
– HYTALO SANTOS PARTICIPAÇÕES LTDA
– EURO HOLDING LTDA – FM AGENCIAMENTO PUBLICITÁRIO & INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA (FARTURA PREMIAÇÕES)
– RISONEIDE LINS CASSIMIRO
– VALDENIR JUSTINO DE SOUSA
– EDVÂNIA DA SILVA –
27/10/2025 – a Justiça do Trabalho defere liminar, determinando que “Hytalo Santos” e Israel Nata Vicente, sob pena de multa:
a) abstenham-se de produzir, publicar, compartilhar, patrocinar ou monetizar, por qualquer meio, físico ou digital, conteúdos que explorem a imagem, a rotina ou a intimidade dos adolescentes vitimados;
b) abstenham-se de induzir, custear ou submeter os adolescentes a quaisquer procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não, incluindo tatuagens e piercings:
c) abstenham-se de manter os adolescentes residindo em seus imóveis ou em locais sob seu controle, ou de exercer sobre eles qualquer forma de guarda de fato;
e) cessem toda e qualquer atividade que caracterize exploração de trabalho, exploração sexual ou submissão a condições análogas à de escravo em face dos adolescentes.
A mesma decisão impôs aos réus Risoneide Lins Cassimiro, Valdenir Justino de Sousa e Edvânia da Silva, sob pena de multa, o cumprimento das seguintes obrigações:
(a) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, participem de produção de conteúdo digital com conotação sexual;
(b) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, sejam submetidos a exploração sexual de qualquer natureza; e
(c) não permitir a submissão de seus filhos a quaisquer das piores formas de trabalho infantil, tal como definidas no Decreto n.º 6.481/2008.
– 14/10/2025 – a pedido da própria defesa dos acusados, foram deflagrados os trâmites legais para alienação antecipada de três veículos de luxo pertencentes aos réus e apreendidos pela Justiça do Trabalho (Mclaren Artura, Tesla Cybertruck e Land Rover Defender).
A matéria vem sendo tratada no Processo n.º 0001484-73.2025.5.13.0006. Os valores arrecadados com a venda dos veículos permanecerão à disposição da Justiça do Trabalho como garantia do futuro pagamento das indenizações pleiteadas pelo MPT.
– 07/11/2025 – realizada a audiência inaugural da ação civil pública.
– 28/11/2025 – encontra-se em curso o prazo para apresentação de defesa pelos réus.
Com Parlamento PB






